Valentim da Fonseca e Silva
Ocupação:
Arquiteto, Escultor e Urbanista
Data de Nascimento:
1745
Data da Morte:
01/03/1813 (67–68 anos)
De filho de uma escrava alforriada à Portugal, conheça a história dramática do artista que desenhou o icônico Passeio Público, mas morreu na pobreza, dormindo sobre tábuas.
No turbulento cenário do Brasil Colônia, o talento nem sempre andava de mãos dadas com a fortuna ou o reconhecimento em vida. A história de Valentim da Fonseca e Silva — o inconfundível Mestre Valentim (1745–1813) — é um retrato poderoso dessa época. Ele foi o principal escultor, entalhador e urbanista do Rio de Janeiro colonial, deixando uma marca de beleza e arte que perdura até hoje.
Mas por trás da arte grandiosa, havia uma vida de esforço, paixão e profunda contradição.
Da Origem Mestiça à Formação Europeia
Nascido em Minas Gerais, Mestre Valentim era filho do contratador de diamantes português, Manoel da Fonseca e Silva, e de Joana, uma africana da nação Sabaru que havia conquistado sua alforria.
Aos quatro anos, ele foi levado a Portugal com os pais, onde iniciou sua formação nas artes. Embora tenha retornado ao Brasil antes de concluir seus estudos, Valentim trouxe consigo a essência estética europeia. Pobre e tendo que sustentar a si e à mãe com o trabalho diário, ele se dedicou à arte da talha e escultura com uma valentia digna de seu nome, rapidamente superando seus mestres no Rio de Janeiro.
O Favorito do Vice-Rei e o Legado Urbanístico
O talento de Valentim não passou despercebido. Dom Luiz de Vasconcelos e Souza, o então Vice-Rei do Brasil, o chamou para ser seu auxiliar, dando-lhe carta branca para projetos ambiciosos que definiram a paisagem carioca.
Entre suas obras mais emblemáticas, destacam-se:
- O Passeio Público: Valentim foi o responsável pelo desenho e execução do primeiro jardim público das Américas, um espaço que transformou a convivência urbana no Rio.
- Chafarizes Icônicos: Ele criou o famoso Chafariz das Marrecas e o Chafariz da Pirâmide (na atual Praça XV), obras que ainda hoje são símbolos da arquitetura colonial.
- Talha Sacra: Seu trabalho de entalhe e decoração na Igreja da Ordem Terceira do Carmo está entre os mais requintados do período.
O Contraste Dramático: Gênio na Arte, Pobreza na Vida
Apesar de ser o artista mais requisitado e protegido pelo Vice-Rei, a vida pessoal de Valentim era de extrema simplicidade e dificuldade financeira.
Seu inventário post-mortem (feito em 1813) revela um quadro de pobreza tocante:
- O artista possuía apenas uma casa térrea, velha e pequena, com piso de terra batida, adquirida com um empréstimo.
- Entre seus bens, havia poucos livros, velhos instrumentos de trabalho e um par de fivelas de sapato de ouro—sua única joia.
- Ao falecer, deixou dívidas que correspondiam a 34% de todo o seu pequeno patrimônio, e sua cama era formada por “duas tábuas sobre dois cavaletes”.
Seu último ato de caridade foi alforriar gratuitamente seu único escravo, Antônio, já idoso e doente.
A Homenagem Tardia: A Gratidão do Centenário
Mestre Valentim faleceu paupérrimo em 1º de março de 1813, sendo sepultado na Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito—a irmandade dos homens pretos, que ele integrava.
O reconhecimento oficial de sua glória veio apenas um século depois. Em 1913, no centenário de sua morte, foi inaugurado o busto em sua homenagem no Passeio Público que ele mesmo havia criado. A cerimônia foi um ato de reparação à memória do artista mestiço, cuja genialidade era uma “legítima glória” do Brasil, como apontaram críticos da época.
Seja visitando a Igreja do Rosário, onde sua lápide de bronze repousa, seja passeando pelos jardins que ele desenhou, a obra de Mestre Valentim nos lembra que o verdadeiro valor da arte não se mede pela riqueza, mas pela marca indelével que ela deixa na história e na cultura de uma nação.