Conheça a história inspiradora de Luiz Gama (1830-1882), um farol na luta contra a escravidão no Brasil. Nascido livre, mas injustamente escravizado, este homem notável superou as barreiras da ignorância imposta e da discriminação racial para se tornar um dos mais importantes líderes abolicionistas, jornalista incisivo e poeta satírico de sua época. Sua trajetória autodidata o levou a libertar judicialmente mais de 700 cativos, um feito extraordinário que ecoa até hoje como um testemunho de sua coragem e determinação inabalável.
Embora tardiamente, o reconhecimento de sua genialidade e impacto histórico chegou. Em 2015, a Ordem dos Advogados do Brasil lhe concedeu o título de advogado honorário, reparando uma antiga injustiça. Em 2018, foi declarado Patrono da Abolição da Escravidão no Brasil, e em 2021, a Universidade de São Paulo o homenageou com o título de Doutor Honoris Causa.
Luiz Gama

Ocupação
Líder abolicionista
Data do Nascimento
21/06/1830
Data da Morte
24/08/1882 (aos 52 anos)
Das Correntes da Escravidão à Sede de Conhecimento
Luiz Gonzaga Pinto da Gama viu a luz do mundo em Salvador, Bahia, em 21 de junho de 1830. Filho de um fidalgo português, cujo nome ele jamais revelou, e da aguerrida Luiza Mahin, uma africana livre da Costa da Mina com participação ativa nas revoltas do Malês (1835) e da Sabinada (1837), sua infância foi marcada pela ausência materna, forçada a fugir para o Rio de Janeiro.
Aos oito anos, foi batizado em Itaparica, mas a tranquilidade durou pouco. Em 1840, aos dez anos, a crueldade do destino o atingiu: vendido pelo próprio pai no Rio de Janeiro para saldar dívidas de jogo com o comerciante e contrabandista Antônio Pereira Cardoso.
A fama de insubordinação dos baianos dificultou a revenda de Luiz, que acabou levado para a fazenda de Cardoso em Limeira, São Paulo. Ali, trabalhou como encarregado da copa, das roupas e dos sapatos.
Aos 17 anos, um encontro fortuito mudou sua vida. Antônio Rodrigues do Prado Junior, um jovem estudante de Campinas, tornou-se seu amigo fraterno e lhe ensinou a ler e escrever, abrindo as portas do conhecimento para um futuro promissor.
Em 1848, aos 18 anos, ciente de sua ilegal condição de escravo, já que sua mãe era livre, Luiz Gama fugiu para São Paulo e conquistou sua alforria na justiça. No mesmo ano, alistou-se na Força Pública da Província de São Paulo e, em 1850, uniu-se a Claudina Gama, com quem formou uma família.
A Justiça como Palco, a Palavra como Arma
Em 1850, a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco negou a Luiz Gama a oportunidade de cursar Direito devido à sua cor e condição social. No entanto, sua sede de justiça e conhecimento era insaciável. Ele assistiu às aulas como ouvinte e frequentou a biblioteca da instituição, nutrindo sua mente de forma autodidata.
Após ser dispensado da Força Pública em 1854 devido a uma acusação de insubordinação, período em que aproveitou para ler e escrever durante seus 39 dias de prisão, Gama trilhou seu caminho rumo à advocacia. Nas horas vagas em que servia na Força Pública, trabalhou como copista e amanuense, o que lhe permitiu o acesso a livros e o aprendizado prático do direito.
Assim, tornou-se um rábula – um advogado prático sem formação acadêmica formal – defendendo causas na primeira instância com autorizações provisórias e definitivas. Sua ousadia, inteligência, argumentação impecável e oratória cativante forçaram a justiça a reconhecer seu talento. Em 1856, tornou-se escriturário da Secretaria de Polícia, cargo que ocupou até 1868, quando foi demitido por suas convicções políticas abolicionistas.
Sua crescente reputação como defensor dos oprimidos atraiu inúmeros escravizados em busca de liberdade. Luiz Gama abria as portas de sua casa para esses corajosos indivíduos, oferecendo-lhes esperança e representação legal.
Entre 1870 e 1872, sua atuação no caso dos 217 escravos de Manoel Joaquim Ferreira Netto, que chegaram ao Supremo Tribunal de Justiça, demonstrou sua genialidade jurídica. Mesmo enfrentando José Bonifácio de Andrada e Silva, neto do Patrono da Independência, Gama garantiu a liberdade dos cativos, cumprindo a última vontade do nobre português.
Luiz Gama dedicou sua vida à causa abolicionista, tornando-se uma liderança incontestável. Participou da Convenção de Itu em 1873, que fundou o Partido Republicano Paulista, e em 1880 assumiu a liderança da Mocidade Abolicionista e Republicana. Sua participação em sociedades secretas, como a Maçonaria, também lhe proporcionou apoio financeiro para sua luta.
Sua experiência pessoal como ex-escravizado o diferenciava de outros abolicionistas negros da época, como José do Patrocínio e André Rebouças, conferindo uma urgência e profundidade únicas ao seu ativismo.
Um Jornalista Destemido e um Poeta Satírico
Além de sua atuação como advogado, Luiz Gama foi um jornalista perspicaz e corajoso. Com sua escrita articulada e carregada de ironia, utilizou os jornais como palanque para defender seus ideais abolicionistas e republicanos, desafiando a elite política e a sociedade escravocrata de seu tempo.
Em 1864, fundou, junto com o ilustrador Ângelo Agostini, o jornal humorístico Diabo Coxo, um marco na imprensa paulista por suas caricaturas que tornavam as notícias acessíveis até mesmo aos analfabetos.
Gama também colaborou com outros periódicos progressistas, como Coimbrão, Radical Paulistano, Polichinelo, Ipiranga e A República. Em 1869, ao lado de Rui Barbosa, fundou o Correio Paulistano, o primeiro jornal diário da capital, que rapidamente se popularizou.
Na literatura, Luiz Gama destacou-se por seus poemas satíricos, nos quais ridicularizava a aristocracia e os poderosos da época, muitas vezes sob os pseudônimos de Afro, Getulino e Barrabás. Sua coletânea de versos satíricos, Primeiras Trovas Burlescas de Getulino (1859), alcançou grande sucesso, apresentando poemas como o emblemático “Quem Sou Eu?”.
Sua produção poética também inclui obras como “Meus Amores”, “Minha Mãe”, “O Rei Cidadão”, “Lá Vai Verso”, “A Cativa”, “A Borboleta” e “Retrato”. Em 1861, lançou uma edição ampliada de seus poemas sob o título de Novas Trovas Burlescas, além de deixar peças líricas de reconhecido valor.
Um Legado Resgatado da História
Luiz Gama faleceu em São Paulo em 24 de agosto de 1882, aos 52 anos, vítima de complicações da diabetes. Seu funeral reuniu cerca de 3 mil pessoas em uma São Paulo com uma população de apenas 40 mil habitantes, um testemunho do impacto que ele causou em sua comunidade.
Por mais de um século, sua memória foi injustamente obscurecida. No entanto, documentos recentemente descobertos têm comprovado a extensão de suas ações em prol da abolição.
O reconhecimento póstumo de Luiz Gama é um passo importante para reparar o apagamento histórico. As homenagens da OAB, a declaração como Patrono da Abolição e o título de Doutor Honoris Causa da USP são justas celebrações de sua vida e obra. O lançamento do filme “Doutor Gama” em 2021 também contribuiu para levar sua história a um público mais amplo, revelando o homem por trás do mito e a profundidade de seu legado na luta por um Brasil mais justo e igualitário. Luiz Gama não apenas desafiou a escravidão com a lei e a palavra, mas também pavimentou o caminho para um futuro onde a cor da pele não seria um grilhão, mas sim um traço da rica diversidade da nação brasileira.
A história de Luiz Gama não pode ser esquecida! Parabéns pela pauta e texto 😉