A pergunta é direta: o ditador Benito Mussolini simplesmente deu o Vaticano de presente à Igreja Católica?
A resposta curta e precisa é não. Foi muito mais complexo do que um simples presente. Foi, na verdade, um grandioso acordo de paz e estratégia política que encerrou um conflito de décadas, conhecido como a “Questão Romana”.
O Contexto: Sessenta Anos de Disputa
Para entender o acordo, precisamos voltar a 1870.
Antes disso, os Papas governavam os vastos Estados Pontifícios no centro da Itália. Com a unificação italiana, Roma foi capturada, e o Papa Pio IX perdeu todo o seu poder temporal (secular). Sentindo-se espoliado, o Papa se autodeclarou “prisioneiro no Vaticano”.
Essa disputa durou quase 60 anos:
- A Igreja: Os Papas se recusavam a reconhecer o Reino da Itália e permaneceram reclusos no Palácio Apostólico.
- A Itália: O novo país tinha sua legitimidade questionada por milhões de católicos e carregava o embaraço de ter o líder da Igreja preso em seu próprio território.
Os Tratados de Latrão: Um Jogo de Interesses (1929)
Em 1929, o líder fascista Benito Mussolini viu a chance de ouro para resolver a Questão Romana e, de quebra, consolidar seu poder.
Mussolini agiu por interesse. Ele não estava sendo generoso; ele queria:
- Legitimidade: Ganhar o apoio da esmagadora maioria católica italiana, legitimando seu regime fascista.
- Prestígio: Apresentar-se como o único estadista capaz de resolver um problema histórico que governos anteriores haviam falhado em solucionar.
O acordo final, conhecido como os Tratados de Latrão, foi assinado em 11 de fevereiro de 1929 entre a Santa Sé e o Reino da Itália.
O Que o Acordo Deu e o Que a Igreja Deu
O Tratado Político, que é o ponto central, não foi uma doação unilateral. Foi uma troca estratégica:
O Que a Itália Cedeu
Reconheceu a soberania sobre o Estado da Cidade do Vaticano (um território minúsculo de 44 hectares).
O Que a Santa Sé Cedeu em Troca
Reconheceu oficialmente o Reino da Itália com Roma como capital, pondo fim à Questão Romana.
Além disso, a Convenção Financeira não foi um presente de luxo, mas uma indenização paga pela Itália para compensar a Igreja Católica pelas perdas territoriais sofridas em 1870.
Conclusão: Um Negócio da China para Ambos
É, portanto, impreciso e simplista chamar o Vaticano de um “presente” de Mussolini.
A soberania do Vaticano foi o resultado de uma negociação bilateral onde as duas partes ganharam:
- Mussolini ganhou enorme prestígio político e o apoio da instituição mais influente da Itália, solidificando seu poder.
- O Papa Pio XI recuperou a soberania territorial e a independência que seus predecessores buscavam há décadas, livrando-se do vexame de ser um “prisioneiro” em Roma.
Em vez de um presente, a criação do Vaticano foi a solução política para um impasse que durou 59 anos, provando que, na história, a estratégia é muitas vezes mais importante que a caridade.