09/06/2025 15:12

O Brasil nos Trilhos do Esquecimento: Desvendando o Sumiço das Ferrovias e o Futuro da Mobilidade

O Brasil nos Trilhos do Esquecimento: Desvendando o Sumiço das Ferrovias e o Futuro da Mobilidade

Imagine um Brasil conectado por eficientes linhas férreas, transportando passageiros com conforto e rapidez por longas distâncias, e escoando cargas com menor custo e impacto ambiental. Essa visão, comum em diversos países desenvolvidos, parece distante da nossa realidade. Hoje, amargamos um cenário onde as estradas dominam o transporte de cargas (cerca de dois terços) e a viagem de trem para passageiros é quase uma raridade.

Não se engane, o Brasil possui uma malha ferroviária considerável, figurando entre as 15 maiores do mundo com seus 30 mil km de extensão. O problema é a alarmante subutilização: um terço dessa malha está abandonado ou completamente sucateado. Para um país de dimensões continentais como o nosso, essa extensão é irrisória. Basta comparar com os Estados Unidos, de tamanho similar e com uma malha dez vezes maior, ou com a Alemanha, um país bem menor, mas com mais trilhos que o Brasil.

As rodovias inegavelmente apresentam vantagens como menor custo inicial e de manutenção. Mas por que o Brasil negligenciou um modal de transporte tão estratégico para suas vastas distâncias? A resposta reside em uma complexa trama histórica que nos leva dos tempos do Império à estagnação atual.

Do Vapor Imperial à Crise que Paralisou os Trilhos

Houve uma época de ouro para as ferrovias brasileiras, entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX. Impulsionadas pelo incentivo de Dom Pedro II, as linhas férreas começaram a ser construídas, e muitos dos trilhos que ainda resistem são herança desse período.

Além de conectar pessoas, as ferrovias eram a espinha dorsal do escoamento do principal produto de exportação: o café. Grande parte das linhas era operada por empresas privadas, intrinsecamente ligadas à pujante cafeicultura. E foi aí que a engrenagem começou a falhar.

A devastadora Crise de 1929, que se arrastou pela década de 1930, paralisou o consumo do café brasileiro, impactando diretamente a produção. Sem receita e sem demanda, as empresas perderam o incentivo para operar as ferrovias e, consequentemente, a capacidade de investir em manutenção e modernização.

O Declínio Irreversível: Dos Anos Dourados ao Sucateamento

A situação, já delicada, só se agravou. O Brasil, que já possuía mais de 30 mil km de ferrovias nos anos 1940, viu esse número estagnar, enquanto um terço da malha caía em desuso. Um verdadeiro retrocesso.

Na década de 1950, as ferrovias estavam obsoletas e as concessões privadas expiravam sem grande interesse em renovação. Em 1957, na tentativa de gerir o caótico transporte ferroviário, foi criada a Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA).

No entanto, o governo do presidente Juscelino Kubitschek (JK) direcionava seus esforços para a modernização do país através da indústria automobilística. Carros e caminhões exigiam estradas, cuja construção era consideravelmente mais rápida que a das ferrovias. A prioridade estava clara: as rodovias pavimentadas triplicaram durante o governo JK, enquanto os trilhos eram relegados a um segundo plano.

Uma Confluência de Fatores que Enterraram os Trilhos

O “50 anos em 5” não foi o único vilão nessa história. Governos posteriores, inclusive durante a ditadura militar, priorizaram grandes projetos rodoviários em detrimento da conservação e expansão da malha ferroviária. Obras grandiosas como a Ponte Rio-Niterói e a Transamazônica personificavam essa visão.

Muitos dos problemas atuais das ferrovias têm raízes ainda mais profundas. A ausência de um padrão de bitola inviabilizou a criação de uma malha unificada. Além disso, a generosa remuneração por quilômetro construído no período imperial incentivou a construção de ferrovias sinuosas, apenas para aumentar o lucro.

A concentração da maior parte das ferrovias na Região Sudeste também dificultou a defesa dos trens como solução para a integração de um país continental. O Brasil se consolidou como a pátria das estradas, e o transporte de passageiros para longas distâncias migrou para aviões, carros e ônibus.

O argumento de que as ferrovias são deficitárias obscurece uma verdade crucial: a longo prazo e para grandes distâncias, os trens são economicamente vantajosos e prestam um serviço essencial à população, encurtando distâncias e tempo de viagem – um valor que transcende o lucro financeiro imediato. Essa visão de longo prazo se perdeu em meados do século XX.

Do Expresso de Passageiros ao Reinado das Commodities

A partir da década de 1960, as linhas de passageiros deficitárias foram sendo desativadas. Sobreviveram os trens metropolitanos nas grandes cidades, como a CPTM em São Paulo e a Super Via no Rio de Janeiro. Para viagens intermunicipais, as opções se tornaram escassas, com exceção de casos isolados como a Estrada de Ferro Carajás.

As sucessivas crises econômicas e a inflação nas décadas seguintes drenaram os recursos necessários para investir e manter o sistema ferroviário. Nos anos 1990, a solução encontrada foi a privatização das ferrovias.

Hoje, mais da metade da malha ferroviária brasileira pertence à Rumo Logística, ligada a empresas de minério de ferro, enquanto outros 2 mil km são operados pela Vale. A prioridade do transporte ferroviário se deslocou para o escoamento de commodities como minério de ferro e soja, atendendo às necessidades das grandes empresas.

É importante ressaltar que o Brasil também subutiliza seu potencial hidroviário. Dos 29 mil km de rios navegáveis, apenas 13 mil são efetivamente utilizados, transportando uma parcela ínfima das cargas (cerca de 1%). Embora mais lento, o transporte aquaviário poderia ser uma alternativa estratégica mais explorada.

O Brasil, com sua vasta extensão territorial e a crescente demanda por transporte eficiente e sustentável, clama por uma reconsideração do papel das ferrovias. Desvendar os erros do passado é o primeiro passo para trilhar um futuro onde os trens voltem a conectar pessoas e impulsionar a economia, de forma inteligente e ecologicamente responsável. O apito do trem pode soar novamente como um prenúncio de progresso.

Fonte: MEGACURIOSO

Foto de Thiago Igor

Thiago Igor

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