Existem filmes que nos confrontam, que ousam questionar os pilares de uma nação e a psique de um povo. “Nascido em 4 de Julho” (1989), de Oliver Stone, é uma dessas obras-primas audaciosas. Longe de ser apenas mais um “filme de guerra”, esta é uma poderosa declaração antiguerra, um grito visceral contra a ilusão do “Sonho Americano” e as cicatrizes invisíveis que os conflitos deixam. Se você busca cinema que realmente provoca e emociona, prepare-se para ser impactado.
Às vésperas da década de 90, o cinema já parecia exausto da temática do Vietnã, mas Oliver Stone, incansável, entrega o segundo pilar de sua formidável “trilogia da guerra” – precedido por Platoon (1986) e seguido por Entre o Céu e a Terra (1993). Cada filme é um mergulho em diferentes facetas da desventura militar americana, e “Nascido em 4 de Julho” nos oferece um olhar íntimo sobre a tragédia pessoal que se funde com a nacional.
A Odisseia Dolorosa de Ron Kovic: Do Hino à Histeria
A narrativa nos agarra pela mão e nos leva pela vida de Ron Kovic, interpretado de forma arrebatadora por Tom Cruise. Desde a infância, Ron é um devoto da pátria, um garoto que respira o patriotismo e os desfiles do 4 de Julho, sonhando em ser um herói militar. Essa obsessão, alimentada pela propaganda e pela imagem idealizada dos “soldados”, o leva a largar tudo e se alistar para o Vietnã na primeira oportunidade.
Mas a guerra, como um monstro implacável, cobra seu preço. Uma ferida irreversível transforma o corpo e a mente de Ron. A partir desse ponto, o hino glorioso que embalava seus sonhos se transforma em uma dissonância ensurdecedora. O patriota cego renasce como um crítico ferrenho da guerra, com sua fé nos ideais americanos estraçalhada. O filme é baseado no livro autobiográfico do próprio Ron Kovic, e essa jornada de desilusão é contada com uma intensidade rara.
Um Visual Que Contrasta o Sonho com a Realidade Crua
A força de “Nascido em 4 de Julho” reside também na sua direção magistral e na montagem perspicaz de Oliver Stone. O filme começa com uma atmosfera de otimismo ingênuo, a glória da América em cada quadro. Mas, de repente, somos brutalmente jogados no inferno do Vietnã. As imagens de inocentes e crianças sendo mortas em nome de uma ideologia desumana são cortinas que rasgam a alma, criando um paradoxo visual poderoso.
Enquanto o ingênuo Ron Kovic se orgulha de sua pátria, as cenas na tela gritam o contrário. Esse contraste é um golpe de mestre, pois nos faz questionar a todo instante a cegueira do protagonista, preparando-nos para o momento de sua desilusão máxima. É como se o próprio cineasta, através da colagem de cenas, desconstruísse as crenças de seu herói diante de nossos olhos. A cena inicial, com o pequeno Ron vendo um veterano com braços amputados em meio à glória do desfile, é um presságio, uma profecia do fracasso que grita em meio à exaltação.
Tom Cruise: A Performance que Define uma Carreira

É impossível falar de “Nascido em 4 de Julho” sem dedicar um parágrafo inteiro à atuação monumental de Tom Cruise. Ele entrega um Ron Kovic que vai da paixão juvenil à mais profunda amargura com uma intensidade visceral. Cruise não apenas interpreta a deficiência física; ele nos faz sentir a dor da perda da autonomia, da juventude roubada, da sexualidade negada.
Cada explosão de ressentimento de Ron é sentida na alma do espectador, graças à força dramática que Cruise imprime ao personagem. É uma performance que solidificou seu status como um ator de peso, capaz de ir muito além do galã de Hollywood. Ele nos faz chorar e sentir a raiva de um homem que teve tudo roubado por uma guerra inútil.
Um Filme Essencial, Apesar de um Final Que Pede Mais
“Viver e morrer pelo ‘sonho americano’ parece ser um preço grande a pagar”, e Oliver Stone ilustra isso perfeitamente. O filme foi amplamente reconhecido pela crítica e pela academia, recebendo inúmeras indicações e prêmios, incluindo o Oscar de Melhor Diretor para Stone. É uma produção de densidade crítica e complexidade emocional impressionantes, sustentada pela atuação memorável de Tom Cruise e por uma direção que sabe exatamente o que quer comunicar.
Apesar de toda a sua grandiosidade, é importante notar que o final do filme pode deixar um sabor agridoce para alguns, parecendo uma resolução um pouco trivial para a densidade dos eventos anteriores. No entanto, essa pequena ressalva não apaga o brilho de uma obra que, no geral, é um soco no estômago, um convite à reflexão e uma celebração da arte cinematográfica em seu potencial mais crítico e humano.
"Nascido em 4 de Julho" é um filme que todos deveriam ver. Ele não é apenas um registro histórico; é um testamento à resiliência humana e uma advertência atemporal sobre os custos invisíveis da guerra.
Ficha Técnica

Nascido em 4 de Julho (1989)
Ron Kovic fica paralisado na guerra do Vietnã, passa por um pesadelo em um hospital de veteranos e se torna um ativista político a favor dos direitos humanos e contra a guerra, depois de se sentir traído pelo país pelo qual lutou.
Onde assistir: PRIME VIDEO (alugar)
Diretor: Oliver Stone
Elenco: Tom Cruise, Raymond J. Barry, Caroline Kava
Nossa Opinião (Resumo): O filme retrata a vida de um soldado na guerra do Vietnã, desde seu alistamento até se tornar um ativista contra a guerra. Tom Cruise em um dos seus melhores trabalhos, carrega o filme, com uma maquiagem perfeita que faz com que os anos se passem no filme e envelheça o personagem, tudo isso sem computação gráfica utilizada nos dias de hoje. Oliver Stone mais uma vez nos presenteia com um grande filme e de quebra ainda ganhou óscar de melhor direção.