Arariboia

Ocupação
Chefe do povo temiminó
Data do Nascimento
1520
Data da Morte
1589
No cenário vibrante do Brasil colonial do século XVI, emerge a figura lendária de Arariboia, um chefe guerreiro do povo Temiminó. Sua história, marcada pela estratégia e coragem, foi crucial para o destino da Baía de Guanabara e para a fundação de uma das mais belas cidades do nosso litoral: Niterói. Conheça a trajetória desse líder que, ao se aliar aos portugueses, reescreveu a história.
De Arariboia a Martim Afonso: Um Líder Essencial
Nascido na Ilha de Paranapuã (atual Ilha do Governador) por volta de 1520, Arariboia era filho do grande chefe Maracajá-Guaçu. Sua vida tomou um novo rumo ao ser batizado pelos jesuítas, adotando o nome cristão de Martim Afonso de Sousa, uma homenagem ao influente donatário da Capitania de São Vicente.
O que o tornou imortalizado na história foi sua aliança estratégica com os portugueses, um movimento decisivo para a conquista da Baía de Guanabara contra os Tamoios e os franceses, em 1567. Essa colaboração não foi apenas uma vitória militar; ela garantiu a Arariboia uma recompensa que mudaria para sempre o mapa do Brasil: a posse de terras estratégicas na entrada da baía. Ali, ele estabeleceu a aldeia de São Lourenço, que floresceria e daria origem à cidade de Niterói, da qual ele é hoje reconhecido como fundador.
A Luta Pela Guanabara: Coragem Lendária
Antes da aliança, os Temiminós foram expulsos de suas terras na Ilha do Governador pelos inimigos Tamoios, buscando refúgio no Espírito Santo, onde Arariboia fundou a região de Carapina. No entanto, o destino o chamava de volta.
A Baía de Guanabara era um ponto vital, cobiçado tanto pelos portugueses, que precisavam controlar a rota para o Oceano Índico e o tráfico de suas naus, quanto pelos franceses, que haviam se estabelecido ali em 1555, construindo o Forte Coligny. Os franceses, inclusive, formaram uma poderosa aliança com os Tamoios, somando cerca de 70.000 guerreiros, o que impedia uma vitória definitiva dos portugueses.
Foi nesse cenário que Arariboia e seus Temiminós se tornaram peças-chave. Eles já tinham um conflito histórico com os Tamoios, o que alinhava seus interesses aos dos lusitanos. Ao se juntar às forças portuguesas, lideradas por Mem de Sá e seu sobrinho Estácio de Sá, Arariboia trouxe um reforço crucial de cerca de 8.000 guerreiros indígenas que conheciam profundamente o território.
O clímax dessa batalha épica foi em 20 de janeiro de 1567, em Uruçumirim, hoje o Outeiro da Glória. Em um feito que beira a lenda, Arariboia foi o primeiro a invadir o baluarte inimigo. Empunhando uma tocha, ele explodiu o paiol de pólvora, abrindo caminho para o ataque. Há relatos de que ele teria atravessado a nado as águas da baía para liderar o assalto. Com seu apoio inestimável, a operação portuguesa foi um sucesso retumbante, garantindo o controle da Baía de Guanabara e a sobrevivência da recém-fundada cidade do Rio de Janeiro.
Recompensas e Reconhecimento: O Legado de Arariboia
Após a derrota dos Tamoios, a Coroa Portuguesa não poupou recompensas ao valoroso cacique. Além de converter-se ao cristianismo e adotar o nome de Martim Afonso de Sousa, Arariboia foi agraciado com o título de Cavaleiro da Ordem de Cristo – uma honra rara para um indígena.
Ele recebeu terras importantes: primeiro, um terreno no atual bairro de São Cristóvão (Rio de Janeiro), documentado como “Aldea de Martinho”. Mais tarde, em 1573, ganhou uma sesmaria estratégica no outro lado da Guanabara, com a missão de proteger a entrada da baía. Essa sesmaria, batizada de São Lourenço dos Índios, é hoje amplamente reconhecida como a origem da cidade de Niterói.
Sua vida pessoal também foi marcante. Em 1570, Arariboia casou-se no Rio de Janeiro com uma mulher indígena, descrita como “mameluca” por ser filha de português e indígena. O casamento, sem que o nome da mulher fosse registrado, foi um grande acontecimento, com uma festa e banquete, simbolizando a união de culturas e a importância do líder.
O Conflito com o Poder e o Mistério de Sua Morte
Os últimos dias de Arariboia foram marcados por um notável confronto com o novo governador-geral, Antônio Salema. Em uma cerimônia oficial, o cacique, já idoso, sentou-se cruzando as pernas, um gesto que desagradou Salema. A resposta de Arariboia ecoou sua dignidade e orgulho: “Minhas pernas estão cansadas de tanto lutar pelo seu Rei, por isto eu as cruzo ao sentar-me, se assim o incomodo, não mais virei aqui.” E, de fato, ele retornou a Niterói, nunca mais voltando ao Rio de Janeiro.
A causa de sua morte, em 1589, permaneceu um mistério por muito tempo. Embora se acreditasse em afogamento, uma carta jesuítica da época, encontrada posteriormente, revelou que Arariboia foi vítima de uma epidemia, fechando o ciclo de uma vida dedicada à luta e à fundação.
Memória Viva: Arariboia no Coração do Rio e Niterói
O legado de Arariboia transcende os livros de história. Ele é, sem dúvida, o fundador de Niterói e uma figura essencial na defesa e consolidação do Rio de Janeiro. Como bem pontua o jornalista Rafael Freitas da Silva e como está gravado em seu busto em Niterói, “Sem elle nunca se tomaria o Rio de Janeiro” e “Capitão Mor índio Martim Affonso de Souza O Ararygboia Fundador da Cidade do Rio de Janeiro 1507 1568 e Nictheroy 1525”.
A memória de Arariboia é celebrada em Niterói desde a fundação de São Lourenço dos Índios em 1573. O nome “Nictheroy” (água escondida em tupi-guarani), adotado em 1819, solidificou essa conexão. Monumentos e homenagens mantêm sua história viva:
- Praça Arariboia: No centro de Niterói, em frente à Estação das Barcas, sua estátua, erguida em 1965, com os olhos voltados para a Baía de Guanabara, simboliza a proteção da cidade.
- Palácio Arariboia: A antiga sede da prefeitura de Niterói leva seu nome.
- Monumento ao Índio Arariboia (Vitória, ES): Uma estátua em bronze, originalmente genérica, foi popularmente apelidada de “O Índio Arariboia” e hoje é um importante símbolo. Sua remoção e posterior retorno para a Avenida Beira-Mar em 1963 inspiraram uma marchinha de carnaval popular.
A história de Arariboia é um exemplo poderoso de como a memória popular e as lendas se entrelaçam com a história oficial. Histórias transmitidas por gerações, como as de descendentes que se consideram “sangue de Arariboia”, mostram a força do legado desse cacique. Projetos acadêmicos, como o “GeoTales” da UNIRIO, inclusive, exploram a “geomitologia”, transformando mitos em narrativas históricas baseadas em eventos geológicos, e a “Pedra da Onça” na Ilha do Governador é um exemplo vívido disso, com suas lendas e a escultura que evoca um felino sagrado para os Temiminós.
Arariboia não foi apenas um guerreiro; ele foi um visionário que, com sua bravura e estratégia, garantiu seu lugar eterno na fundação de Niterói e na defesa do que viria a ser o coração do Rio de Janeiro.