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Personalidades Históricas: Chiquinha Gonzaga: A Maestrina Rebelde Que Quebrou Barreiras e Deixou um Legado Imortal

Chiquinha Gonzaga: A Maestrina Rebelde Que Quebrou Barreiras e Deixou um Legado Imortal

Chiquinha Gonzaga

Chiquinha Gonzaga
Chiquinha Gonzaga

Ocupação
Foi compositora, pianista e regente brasileira

Data do Nascimento
17/10/1847

Data da Morte
28/02/1935 (aos 87 anos)

No cenário conservador do Brasil do século XIX e início do XX, uma mulher ousou desafiar convenções, revolucionar a música e viver sua própria liberdade. Essa era Chiquinha Gonzaga (1847-1935), uma figura extraordinária que se tornou não apenas uma das maiores compositoras, pianistas e regentes do país, mas também um ícone de emancipação feminina. Foi ela quem, com sua genialidade, fundiu o popular e o erudito, e quem nos deu a alegria contagiante da primeira marchinha de carnaval: “Ó Abre Alas”.

Em seus 87 anos de vida, Chiquinha pagou um alto preço por sua liberdade em uma era onde as mulheres eram, em sua maioria, silenciadas e submissas. Mas ela não se intimidou com os preconceitos e as afrontas de seus críticos. Pelo contrário, sua força e determinação a impulsionaram a ir além, deixando um legado que ressoa até hoje.

Da Origem ao Brilho Musical: Uma Infância de Talentos Precoces

Francisca Edwiges Neves Gonzaga nasceu no Rio de Janeiro em 17 de outubro de 1847. Sua origem era um reflexo das complexidades sociais da época: filha de um primeiro-tenente de família ilustre do Império e de Rosa Maria Neves Lima, uma mulher mestiça e sem recursos, filha de uma escrava. A união de seus pais, inicialmente não legalizada, foi um desafio às convenções sociais, algo que Chiquinha herdaria em sua própria vida.

Desde cedo, Chiquinha recebeu uma educação privilegiada, típica das jovens burguesas da época, estudando português, cálculo, francês e religião. Mas foi na música que seu verdadeiro brilho se manifestou. Aluna do renomado maestro Lobo, ela estreou como compositora aos 11 anos, com a delicada cantiga de Natal “Canção dos Pastores”. Era apenas o prelúdio de uma carreira revolucionária.

Casamentos, Rebeldia e a Busca Incessante pela Música

O pai de Chiquinha sonhava em vê-la como uma dama da corte, e arranjou seu casamento com Jacinto Ribeiro do Amaral, um rico proprietário de terras e oficial da Marinha Mercante, quando ela tinha apenas dezesseis anos. Apesar do piano de presente de casamento, o gênio forte e decidido de Chiquinha logo entrou em conflito com o marido. Sua paixão por compor valsas e polcas desagradava Jacinto, que a queria reclusa e longe da música.

As brigas eram constantes, e Chiquinha, grávida de seu terceiro filho, Hilário, tentou voltar para a casa dos pais, mas encontrou as portas fechadas. A sociedade da época não perdoava mulheres que se separavam. Foi declarada “morta” pela família, e suas filhas foram criadas longe dela. Mas, para Chiquinha, a música era um chamado irrecusável.

Após a separação, a música voltou a ser o centro de sua vida. Ela iniciou uma nova fase, vivendo com o engenheiro João Batista de Carvalho Júnior, um amante da música e da dança. Mesmo com o estigma social, eles construíram uma vida juntos, mas a traição de João Batista e a humilhação de viver dominada foram demais para a personalidade forte de Chiquinha. Ela retornou ao Rio, levando apenas seu filho João Gualberto, e recomeçou do zero, dando aulas de piano e compondo sem parar.

A Revolução Musical e o Legado de uma Maestrina Pioneira

Foi nesse período de recomeço que Chiquinha Gonzaga floresceu como artista. Sua genialidade estava em adaptar o som de seu piano ao gosto popular, misturando ritmos e criando melodias que falavam à alma do povo brasileiro. Em 1877, o sucesso estrondoso de “Atraente”, um animado choro, marcou sua consagração como a primeira compositora popular do país.

Determinada a ir além, Chiquinha rompeu mais uma barreira, lançando-se no teatro de variedades, um ambiente dominado por homens. Em 1885, ela iniciou sua brilhante carreira de regente com a revista “Corte na Roça”. Suas músicas se tornaram febre, e em 1897, o Brasil inteiro dançava sua estilização do “corta-jaca” em forma de “tango gaúcho”.

Mas foi em 1899 que ela nos presenteou com um hino que transcendeu gerações: a marcha-rancho “Ó Abre Alas!”, composta a pedido do cordão carnavalesco Rosa de Ouro. Uma melodia que se tornaria um dos maiores símbolos do nosso carnaval:

Ô abre alas!  
Que eu quero passar (bis)
Eu sou da lira
Não posso negar (bis)  
Ô abre alas!  
Que eu quero passar (bis)  
Rosa de Ouro  
É que vai ganhar (bis).

Seu sucesso no teatro foi ainda mais consolidado com a opereta “Forrobodó”, que estreou em 1912 e bateu um recorde impressionante de 1500 apresentações, tornando-se o maior sucesso teatral de Chiquinha e um dos maiores do Teatro de Revista brasileiro. Aos 87 anos, em 1934, ela ainda escrevia, deixando como seu último trabalho a partitura da opereta “Maria”. Chiquinha atuou em 77 peças teatrais e foi responsável por cerca de 2.000 composições, um feito monumental!

Além de sua prolífica produção artística, Chiquinha Gonzaga foi uma incansável defensora dos direitos autorais, chegando a lutar contra reproduções não autorizadas de suas obras em Berlim. Ela foi a visionária fundadora, sócia e patrona da SBAT – Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, ocupando a cadeira n.º 1 e garantindo que artistas pudessem ser justamente recompensados por seu trabalho.

Um Amor Fora dos Padrões e Um Legado de Coragem

Em 1897, Chiquinha, aos 52 anos, encontrou o músico português João Batista Fernandes Lages, de apenas 16. Desafiando mais uma vez as convenções sociais, eles viveram juntos, com Chiquinha o apresentando como seu filho para evitar o escândalo. Joãozinho e João Gualberto, seu filho biológico, tornaram-se grandes amigos, unidos pela música.

Chiquinha Gonzaga é, sem dúvida, uma mulher à frente de seu tempo. Ela não apenas viveu em uma época de submissão feminina, mas se deu o direito de pensar e agir por si mesma, sem se intimidar com o julgamento alheio. Foi a primeira maestrina brasileira, a primeira mulher a enfrentar um mercado de trabalho exclusivamente masculino, e uma voz corajosa na defesa dos ideais feministas que revolucionaram os costumes.

Sua jornada não foi fácil; ela pagou caro por sua liberdade, como ela mesma deixou registrado em seu testamento, no epitáfio de sua própria lápide: “Sofri e chorei”. Mas, mesmo em meio à dor e aos desafios, Chiquinha viveu cercada de glória, na companhia de Joãozinho, até seus últimos dias.

Chiquinha Gonzaga faleceu no Rio de Janeiro em 28 de fevereiro de 1935, deixando um tesouro musical e um exemplo eterno de força, talento e paixão pela vida e pela arte. Sua história é um lembrete inspirador de que a verdadeira liberdade reside em ser autêntico, mesmo diante dos maiores obstáculos.

Chiquinha Gonzaga (1847 - 1935)

Foto de Thiago Igor

Thiago Igor

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