A 20ª edição da Virada Cultural de São Paulo, que se encerrou neste domingo, 25 de maio, após 24 horas de programação intensa, revelou um evento em transformação. Enquanto a preocupação com a segurança trouxe resultados positivos, a tentativa de “voltar às origens” esbarrou em falhas e na descaracterização de elementos que tornaram a Virada uma tradição tão amada.
Segurança Reforçada: O Centro Histórico Respira Aliviado
Desde 2022, após cenas de violência e arrastões, a Prefeitura de São Paulo implementou um plano robusto de segurança para a Virada Cultural. E os resultados foram notáveis nesta edição de 2025. Caminhar pelo Centro Histórico de São Paulo à noite, com o celular na mão, algo impensável há pouco tempo, tornou-se uma realidade frequente durante o evento.
Com um patrulhamento extensivo e um policiamento ostensivo em torno dos cinco palcos centrais, a cidade sentiu a presença de 10 mil profissionais de segurança e o monitoramento de 26 mil câmeras do Programa Smart Sampa. Os números do balanço municipal são animadores: a Guarda Civil Metropolitana (GCM) registrou apenas duas ocorrências graves (um roubo de celular e um mal súbito), enquanto a Polícia Militar efetuou três prisões de procurados, uma detenção por tráfico e outra por pichação, além de três furtos de celular relacionados ao evento.
O público, de fato, aprovou as medidas. Entrevistas com dezenas de participantes revelaram satisfação unânime com a segurança. “A disposição das grades e a presença da polícia me deixa mais segura”, afirmou Camila Torres, técnica de audiovisual de 34 anos. A dispersão da Cracolândia, ocorrida em 13 de maio, também contribuiu para a sensação de tranquilidade. “A gente fica mais seguro, né?”, comentou a professora aposentada Cristiane Monteiro, de 56 anos, que participou pela primeira vez para ver Belo.
Centro X Periferia: A Descentralização e a Perda da Magia Madrugueira
Apesar da maior segurança, a Virada no Centro perdeu parte de sua essência. O Vale do Anhangabaú, palco tradicional, foi novamente cercado por tapumes, lembrando mais um festival privado do que a festa de união com a cidade concebida em 2005. Essa “Virada isolada” contrasta com a proposta original da Noite Branca parisiense, que inspirou o evento.
A 20ª edição, com seus 21 palcos espalhados pelos quatro cantos da cidade, trouxe atrações de peso para diversas regiões. No Centro, nomes como Belo, João Gomes e Liniker. Na Zona Oeste, Duda Beat, Fresno e Sepultura. Na Leste, Iza, Alceu Valença e Djonga. Na Norte, Mart’Nália, Vanessa da Mata e Luísa Sonza. E na Sul, Michel Teló, MC Hariel e Xande de Pilares.
A descentralização é, sem dúvida, um ponto positivo, levando shows gratuitos de grandes nomes a regiões periféricas que raramente recebem tais eventos. No entanto, a Virada no Centro parece perder sua identidade original. “O centro não é mais a única opção, não está todo mundo focando no mesmo lugar”, observou o psicólogo Hélio de Souza, 42 anos.
Outro fator preocupante é a mudança nos horários da programação. Pela primeira vez na história da Virada Cultural, os grandes artistas não se apresentaram durante a madrugada. A maioria dos palcos sequer teve programação nas primeiras seis horas de domingo. O Vale do Anhangabaú foi uma das raras exceções, com shows do grupo senegalês Orchestra Baobab e da banda argentina La Delio Valdez, mas em anos anteriores, o mesmo horário era preenchido por artistas como Pabllo Vittar e Djonga.
“Eles estão limitando o espaço e o alcance dos artistas da Virada, é triste”, lamentou a engenheira Lílian Pereira, 40 anos, frequentadora assídua do evento. “Se as atrações acabam cedo, as pessoas vão embora. Sem atrações chamativas na madrugada, as pessoas não vão ficar na rua. É uma forma implícita de você acabar com a Virada Cultural na madrugada”, completou. Lílian recorda com carinho de ter ficado até as 4h em 2018 para ver Emicida, e este ano se encantou com um palco de stand-up ao lado do Edifício Copan que funcionou por 24h, reafirmando a magia do “por acaso” na Virada. A inconsistência nos horários e a divisão de palcos com programação ininterrupta e outros sem, revela uma “crise de identidade” e a dificuldade em garantir segurança em todos os lugares ao mesmo tempo.
Shows de Qualidade, mas com Desafios na Execução
Apesar das críticas ao novo formato, a seleção de artistas e bandas continua sendo um ponto forte da Virada Cultural. A 20ª edição conseguiu misturar o novo e o consagrado, reunindo nomes que entregaram shows excelentes. Artistas como Liniker, João Gomes e Iza trouxeram frescor à programação, que também contou com presenças já conhecidas como Léo Santana, Michel Teló e Luísa Sonza. Os principais shows foram bem recebidos pelo público, com muita animação e participação da plateia.
No entanto, atrasos e problemas técnicos persistiram nos 21 palcos, prejudicando algumas apresentações. No Anhangabaú, Belo precisou interromper seu show (que começou com quase meia hora de atraso) por cerca de 15 minutos devido a um problema no gerador. Karol Conká e Rashid, na Zona Leste, também enfrentaram atrasos, e em Itaquera, Iza precisou parar o show diversas vezes para socorrer fãs que passavam mal na multidão.
A maior gafe desta edição, porém, ocorreu antes mesmo do evento começar. Marina Lima foi anunciada como atração, mas na véspera, a cantora revelou que não havia assinado contrato. A situação só não se tornou um desastre maior graças à rapper Duquesa, que substituiu a veterana às pressas e entregou um excelente show no Anhangabaú. Outro ponto negativo foi o palco pequeno e mal organizado na rua Quinze de Novembro, escolhido para o show de Russo Passapusso.
Entre as surpresas positivas, a Aparelhagem Crocodilo, presente no Vale do Anhangabaú, roubou a cena. Nos intervalos dos shows principais, o público era agraciado com o ritmo contagiante da música e dos remixes paraenses do “Tudão Crocodilo” – um crocodilo metálico de 9 metros de comprimento e 3 metros de altura que toca os maiores hits e remixes do Pará. Sucesso absoluto no Norte do país, essa foi a primeira vez que a aparelhagem se apresentou em São Paulo, exigindo uma carreta de 22 metros para atravessar o Brasil. A participação especial de nomes como Gaby Amarantos, Viviane Batidão, Jaloo e Gang do Eletro ao lado da aparelhagem paraense, por vezes, chegou a ofuscar os shows principais.
A Virada Cultural 2025 mostrou uma São Paulo que busca equilibrar diversão e segurança. O sucesso na redução de ocorrências é inegável, mas o desafio agora é reencontrar a magia e a identidade de um evento que nasceu para ser uma celebração ininterrupta da arte e da cultura em cada canto da cidade.
O que você acha dessa transformação do evento?
Fonte: O Estado de São Paulo